Cloroquina, Hidroxicloroquina e Ivermectina - Pesquisadores da UFRR publicam estudo que corrobora a ineficácia dos medicamentos
Há um ano, no Brasil, vivemos a pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19). Durante este período, os medicamentos Cloroquina (CQ) e Hidroxicloroquina (HCQ) foram sugeridos como alternativas para tratamento devido à sua atuação no sistema imunológico e o baixo custo, sendo inclusive recomendados pelo Governo Federal Brasileiro em uma diretriz de tratamento nacional, mesmo sem evidências científicas definitivas sobre sua eficácia e segurança.
A primeira droga é amplamente utilizada em casos de artrite reumatoide. A segunda no tratamento da malária. Além disso, na busca por soluções terapêuticas de curto prazo, um caminho natural foi a busca por agentes com ação inibidora viral in vitro, como é o caso da Ivermectina.
Com o objetivo de avaliar a segurança e eficácia destas drogas nas formas graves da Covid-19, pesquisadores da Universidade Federal de Roraima (UFRR), em conjunto com médicos infectologistas do Hospital Geral de Roraima (HGR), realizaram um ensaio clínico randomizado, duplo-cego comparativo destas drogas em 167 casos graves de Covid-19 de pacientes hospitalizados na unidade hospitalar, no período de 1º de maio a 16 de julho de 2020.
O resultado foi publicado na prestigiada revista científica Pathogens & Global Health, de Londres – Reino Unido, disponível na Nacional Library Medicine: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33682640/.
Trabalharam na investigação os pesquisadores Luis Enrique Bermejo Galan, Nayara Melo Dos Santos, Mauro Shosuka Asato, Jucineide Vieira Araújo, Adriana de Lima Moreira, Aléxia Mahara Marques Araújo, Artur Diogenes Pinheiro Paiva, Diego Guilherme Santos Portella, Frank Silas Saldanha Marques, Gabriel Melo Alexandre Silva, Joana de Sousa Resende, Marycassiely Rodrigues Tizolim, Poliana Lucena dos Santos, Steffi Ferreira Buttenbender, Stephanye Batista de Andrade, Roberto Carlos Cruz Carbonell, Juliana Gomes Da Rocha, Ruy Guilherme Silveira de Souza e Allex Jardim da Fonseca.
A maioria dos participantes do grupo pesquisado foi do sexo masculino, com idade média de 53,4 anos, cujas condições clínicas mais comuns eram hipertensão arterial sistêmica (43,4%), diabetes mellitus (28,1%) e doenças pulmonares crônicas prévias (5,3%).
A apresentação clínica sindrômica mais comum na admissão hospitalar foi a insuficiência respiratória (76,5%), seguida de síndrome pneumônica (42,5%).
O estudo apontou que, embora os medicamentos revelem um perfil de segurança favorável, eles não reduzem a necessidade de oxigênio suplementar, admissão em UTI, ventilação invasiva ou óbito, em pacientes hospitalizados com uma forma grave de Covid-19.
A mortalidade foi semelhante em três grupos (22,2%; 21,3% e 23,0%) sugerindo a inefetividade dos medicamentos.
“Até o momento, persistimos na busca de medicações que possam tratar efetivamente esta doença que vem devastando famílias em Roraima, e no Brasil como um todo. Estávamos com muita esperança nestas medicações, mas infelizmente os dados científicos não apontaram para a eficácia que esperávamos”, comenta o professor Allex Jardim da Fonseca, coordenador da pesquisa clínica.
Entenda como foi a pesquisa
Os participantes do estudo receberam por via oral ou sonda nasoentérica (para aqueles que não conseguiam engolir os comprimidos) os seguintes medicamentos: difosfato de cloroquina, sulfato de hidroxicloroquina ou ivermectina.
Os produtos da investigação foram produzidos às cegas por uma farmácia independente, assim como os comprimidos de placebo, com o objetivo de padronizar o tratamento e o “cegamento” da equipe de pesquisa e dos participantes.
Ou seja, para garantir a lisura da avaliação, nem os participantes, nem os médicos pesquisadores, nem o analisador dos dados sabiam qual medicação cada paciente estava tomando, até o fim do estudo.
Para dar ainda mais transparência à pesquisa, um estatístico independente gerou eletronicamente uma lista aleatória, a qual vinculava o participante em ordem cronológica de inclusão ao frasco de tratamento numerado, às cegas. Um farmacêutico não cego foi o responsável por atribuir a intervenção (único profissional não cego, mas não tinha contato com participantes ou com os pesquisadores).
As informações sobre o produto foram restritas ao farmacêutico não cego, na tentativa de minimizar o viés do observador. A quebra do cegamento estava disponível para os membros do DSMB (comitê de monitoramento de dados) em caso de eventos adversos graves.
Para os participantes que participaram da pesquisa e receberam alta, o estado vital e os dados clínicos foram avaliados, para segurança e avaliação dos resultados, até o dia 90 após o início das medicações.
Saiba os principais resultados do estudo
Os pesquisadores, embora tenham encontrado um perfil de segurança favorável para os três medicamentos, em termos de toxicidade cardíaca, hematológica e hepática, não identificaram benefícios em termos de redução da necessidade de oxigênio suplementar, ventilação mecânica ou mortalidade para os grupos tratados com HCQ, CQ e Ivermectina em pacientes já hospitalizados com forma grave da doença (ou seja, não no formato de tratamento precoce).
A mortalidade foi muito semelhante nos três braços (variando de 21,3% a 23,0%), sugerindo que os três medicamentos são igualmente ineficazes neste cenário. As taxas de mortalidade dos três grupos são muito semelhantes aos relatos históricos de outros estudos científicos que utilizaram placebo em pacientes hospitalizados, reforçando a hipótese de inefetividade.
Também não houve diferença significativa entre as proporções e médias das variáveis clínicas e demográficas entre os grupos de tratamento, exceto por uma proporção maior de não fumantes no grupo que foi medicado com Cloroquina em comparação com o grupo que tomou Ivermectina (56,6% vs 37,2%, respectivamente).
Os pesquisadores também observaram que dentre os participantes aproximadamente 90% precisou de suplementação de oxigênio em algum momento durante a hospitalização, e não houve diferença no número médio de dias de necessidade de oxigênio suplementar.
A necessidade de drogas vasoativas (medicamentos para manter a pressão arterial, cuja necessidade marca gravidade do caso) também foi semelhante entre os grupos, variando entre 20,6% e 28,0%, sem diferença estatisticamente significativa, assim como a necessidade de ventilação invasiva (respirador mecânico).
A correlação entre as variáveis na admissão hospitalar e a mortalidade também mostrou que ter mais de 60 anos aumentou a mortalidade em relação aos mais jovens (37% versus 15%, respectivamente), e com aqueles com mais de 70 anos, o risco de morte mais que dobrou.
Aspectos éticos
O estudo foi registrado no REBEC, banco de dados de ensaios clínicos brasileiros, em fevereiro de 2020. Um Comitê de Monitoramento e Segurança de Dados (DSMB) independente virtual, com epidemiologistas, cardiologistas e especialistas em doenças infecciosas, foi implementado para revisar o protocolo e os resultados preliminares a cada 50 participantes. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da UFRR.
“Nossa equipe agradece enormemente aos pacientes e familiares que acreditaram em nossa equipe e aceitaram participar do estudo e contribuir para a ciência. Mas um resultado negativo ainda é importante, sobretudo para não postarmos esperanças em medicações que não mudam a evolução natural da forma grave da doença”, agradece o pesquisador Allex Jardim.
Reconhecimento Internacional
O estudo publicado pelos pesquisadores da UFRR em conjunto com o Hospital Geral de Roraima foi o único estudo brasileiro a ser selecionado para contribuir com a meta-análise (estudo secundário que reanalisa resultados de múltiplos estudos randomizados para gerar uma diretriz de tratamento) realizada por uma Universidade da Inglaterra.
Esta meta-análise selecionou 27 ensaios clínicos de 17 países, totalizando dados de 3.734 pacientes tratados em todo o mundo, com foco na ação da Ivermectina no tratamento da Covid-19. A meta-análise denominada “Meta-analysis of clinical trials of ivermectin to treat Covid-19 infection” foi liderada pelo Prof. Dr. Andrew Hill da Universidade de Liverpool, Reino Unido
Conforme Allex Jardim, “a seleção de nosso estudo para essa importante meta-análise internacional comprova que é possível fazer ciência de qualidade, mesmo em situação de baixo recurso. Uma equipe dedicada e bem treinada, além do compromisso ético, foi essencial para esta contribuição genuinamente roraimense à literatura médica internacional”, conclui.
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