Entrevista: Loretta Emiri - “A academia pode ajudar muito, valorizando mais os estudantes indígenas e suas produções
Fotos: Pedro Alencar (RTU/UFRR)
Naturalizada brasileira, a escritora e indigenista Loretta Emiri nasceu na Itália, onde mora atualmente. Em Roraima, a partir da década de 70, desenvolveu trabalhos de assistência sanitária e educação junto ao povo Yanomami. Publicou material didático e livros técnicos e literários em Yanomami, português e italiano, como o Dicionário Yãnomamè-Português (1987), Mulher entre três culturas (1992), A passo di tartaruga – Storie di una latinoamericana per scelta (2016).
Em 2018, recebeu o Prêmio Especial à Carreira, durante a segunda edição do ‘Prêmio Nacional Novella Torregiani di Letteratura e Arti Figurative’, pela defesa dos direitos dos povos indígenas brasileiros. Seu livro Amazzone in tempo reale recebeu ainda o ‘Prêmio Especial para Ensaios do Premio Franz Kafka Italia – 2013’.
Loretta esteve em Roraima em janeiro de 2019 para lançar o livro Yanomami para brasileiro ver, no auditório do Instituto de Antropologia da Universidade Federal de Roraima, em cerimônia concorrida. Neste mesmo mês, foi convidada para realizar a aula magna do curso de Licenciatura Intercultural do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, do semestre 2019.1, no auditório Alexandre Borges (UFRR), oportunidade que fez questão de compartilhar com o professor Inácio Brito Macuxi, liderança da comunidade indígena Maturuca, localizada na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), município de Uiramutã.
Confira a entrevista realizada pela Coordenadoria de Comunicação da UFRR, sob mediação do jornalista Éder Rodrigues com a colaboração do professor e antropólogo Amazoner Arawak e da professora Maria Edna de Brito. A entrevista foi realizada no Espaço de Eventos e Artes Paricarana durante a estadia de Loretta em Roraima.
A entrevista também contou com as contribuições encaminhadas pelo jornalista Aldenor Pimentel, as sugestões dos professores Marcos Pellegrini, Edith Romano, José Carlos Franco, do fotógrafo Jorge Macedo, do jornalista Antônio Bentes Júnior, com apoio técnico do jornalista Pablo Felippe (Coordcom) e do repórter cinematográfico Pedro Alencar (Rádio e TV/UFRR). A UFRR agradece o apoio de Raimundo Nonato Silva e Irmânio Sarmento pelo apoio técnico e a cessão do Espaço de Eventos e Artes Paricarana.
Éder Rodrigues/UFRR – Quais são suas memórias do momento em que você fez a escolha pelo Brasil, sobretudo pela Amazônia?
Loretta Emiri - A ideia de ir trabalhar no chamado terceiro mundo começou na infância. Eu acho que algum missionário deve ter feito uma intervenção na escola de primeiro grau. Eu fiquei marcada com o testemunho dele, comas imagens que passou e, desde então, tenho na cabeça (risos)o desejo de trabalhar no chamado terceiro mundo.
Quando chegou a idade certa para fazer uma escolha devida, eu participei de um chamado “campo de trabalho”, organizado pelos missionários da Consolata na região Marche. Desta experiência participaram jovens vindos de toda a Itália. Durante a experiência, o que me marcou profundamente foram as fotos que Carlo Zacquini bateu dos Yanomami, fotos lindas deste povo tão diferente, tão original; e foi também um livro que o padre Silvano Sabatini organizou e que, na realidade, é um testemunho, uma autobiografia do indígena Gabriel Viriato Raposo[1], do povo Macuxi.
As líricas e sofridas colocações do Gabriel me marcaram profundamente. Então resolvi vir para Roraima em função das fotos dos Yanomami batidas por Carlo Zacquini, e do depoimento do Gabriel Viriato Raposo que o padre Silvano recolheu.
Professora Maria Edna de Brito – Qual foi data em que você chegou e como foi a primeira vez que você olhou os Yanomami, se foi no Catrimâni ou no Demini? Afinal, como foi este encontro?
LE - Eu cheguei no começo de novembro de 1977. Pude viajar para a área Yanomami alguns dias depois. Foi tudo assim, muito simples, porque eles, lá no Catrimâni, de alguma forma estavam me esperando. Os missionários tinham falado que eu teria chegado, falaram também aquilo que provavelmente ia fazer com eles e entre eles. Foi tudo muito simples e muito natural, pois eles estavam me esperando, de alguma forma.
Professor Amazoner Arawak - As nossas escolhas partem de um princípio de visualização de mundo. Nós temos povos na Oceania, África, no velho mundo, na América do Sul, praticamente em todas as partes do planeta. Você citou a literatura como uma fonte de inspiração própria, do Zacquini, do Sabatini e me veio à mente que, naquele momento, era um contexto ainda na Amazônia, nos anos 70 muito acirrado de várias situações para muitos povos indígenas. Tivemos a ditadura e outras situações políticas.
A rede de amigos também contribui muito. Eu lembrei que foi neste momento que dom Aldo Mongiano[2] estava aqui. Ele que também é um italiano. Isso também tem um peso nas nossasredes de relações sociais de apoio e do momento também em que a igreja se manifestou para a questão das causas indígenas que jávinha acontecendo historicamente em toda a América Latina.
Qual foi a influência que você teve de tudo isso e eu gostaria que você citasse também quais são suas memórias da questão política e da questão indígena.
LE – Eu acho que esta mudança da igreja em relação à questão indígena começou com a criação do CIMI, Conselho Indigenista Missionário, que é um órgão diretamente ligado aos bispos brasileiros. A partir disso houve o real comprometimento, ou um comprometimento mais forte, para com os indígenas brasileiros.
Eu cheguei em plena época de ditadura militar, 1977, então houve muita repressão dos militares na época contra os povos indígenas. Temos relatos, provas e testemunhas que muitos povos na época sumiram do mapa, foram drasticamente reduzidos; os próprios Yanomami na época da construção da estrada Perimetral Norte, em 1974, quase foram extintos. Onde passou a estrada, de 13 malocas Yanomami só ficaram alguns grupos, alguns remanescentes de famílias e de grupos locais. Quando cheguei, infelizmente, foi preciso se dedicar mesmo a saúde, a sobrevivência deste povo e foi muito duro. Um período muito duro. Foi preciso levar anos para chegar a uma normalização da situação. Só depois disso é que eu pude me dedicar ao estudo da língua, à alfabetização de adultos na língua materna, mas a questão da saúde, da sobrevivência, das doenças que foram introduzidas pelos trabalhadores da estrada provocaram catástrofes, realmente, seja entre os Yanomami, os Waimiri nossos vizinhos, e outros povos indígenas também.
Foto: Aula magna do curso de Licenciatura Intercultural do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, no auditório Alexandre Borges (UFRR), janeiro de 2019. (Pablo Felippe/Coordcom)
Aldenor Pimentel - Que episódios podem ser citados para exemplificar como a ditadura militar foi extremamente e explicitamente violenta contra os povos indígenas de Roraima?
LE – Como já um pouco falei antes, a estrada que cortou ao sul o território Yanomami, praticamente fez com que dos grupos locais só ficassem sobreviventes. De 13 grupos locais sobraram oito famílias, que se concentraram no Ajarani.
Eu passei no Ajarani em meados dos anos 80, e ainda aquela comunidade sofria muito com as consequências da chegada da estrada, porque eles eram marginalizados, [estavam] doentes e famintos, perambulavam pela estrada pedindo esmola.
Fiquei muito impressionada com a situação daquela comunidade. Muito mesmo. Eu produzi um dossiê sobre isso, que em seguida foi digitalizado e está a disposição de qualquer pessoa, pode ser baixado[3].
Eu fazia comparação entre os Yanomami do Catrimâni, com os quais convivi, fortes, sadios, lindos, enfeitados e com os Yanomami do Ajarani que viviam naquela situação de abandono total. Entre eles, só tinham uns poucos velhos doentes, algumas crianças, mas não era um grupo social íntegro.
Eram simplesmente sobreviventes de uma catástrofe provocada pela estrada que não levou, inclusive, a lugar nenhum, porque devia chegar até a Colômbia, mas nunca chegou até lá. Acabou aí. Mas o resultado foi destruir inteiras malocas Yanomami.
Outro povo muito afetado (como já falei) é o Waimiri-Atroari. Foram até jogadas bombas no território deles. Foi jogado açúcar envenenado. Isso se fala hoje em dia no relatório Figueiredo, parecendo que foi uma descoberta atual. Mas na época, nos anos 70, já se sabia disso pelo depoimento dos próprios índios Waimiri-Atroari.
Éder Rodrigues – Como foi identificar que os missionários no Catrimâni não estavam preocupados com a evangelização, mas sim que os Yanomami sobrevivessem à violência física e cultural, considerando uma frase dita em outro momento por você: “a um certo ponto deixei de me auto definir missionária, eu não estava querendo salvar mais ninguém, só estava querendo viver entre eles e com eles que estavam com muitos problemas por causa do contato, sobretudo na saúde”. Houve uma de mudança na Loretta?
LE – Quando eu saí da Itália agregada aos missionários da Consolata, era definida ‘missionária leiga’, quer dizer, sem vínculo nenhum com a Igreja, mas era definida missionária leiga. Só que na época, para vir ao Brasil, precisava de um apoio institucional sendo época de ditadura militar.
Eu vim pela Igreja, mas nunca me senti uma representante da Igreja. Eu vim pela Igreja porque não havia outro jeito na época; não sabia, não conhecia outra maneira para chegar até aqui.
Quando isso ficou muito mais claro na minha cabeça, passei a me auto definir voluntária. Voluntariado internacional, porque o termo missionário remete diretamente aos missionários da Igreja. Eu não nego a contribuição que a Igreja deu para minha vinda ao Brasil, mas prefiro me definir voluntária, porque acho que é algo mais abrangente: se liga mais à humanidade do que a Igreja, qualquer que seja esta igreja.
Maria Edna de Brito – A Igreja local tinha uma posição para trabalhar com os indígenas como os Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang e, no caso dos Yanonami, que estavam na floresta e não tinham contato com a cidade. Como você desenvolveu esse trabalho diante do papel e da história da Igreja aqui naquela época?
LE – Quando eu saí da Missão Catrimâni passei a morar na cidade. Nessa época, eu, a antropóloga da FUNAI e uma funcionária pública, que trabalhava na Secretaria de Educação, ficamos muito amigas, sempre juntas. Eu podia representar a sociedade civil; a funcionária da Secretaria de Educação era muito ligada à igreja católica; a antropóloga da FUNAI era, naturalmente, representante do Governo Federal.
Nós três juntas, muito amigas, muita ligadas, criamos a Comissão Pró-índio de Roraima, cuja finalidade foi fazer com que outros órgãos, outras realidades, outras pessoas da cidade, passassem a se sensibilizar com a situação, com a conjuntura dos povos indígenas, especialmente de Roraima.
Acho que isso foi muito lindo, muito importante. Alguns anos depois, quando a situação entre os Yanomami ficou novamente muito grave devido à invasão garimpeira de 1987, o grupo já tinha se fortalecido, ficado grande e maduro.
Foi criado o Comitê de Solidariedade aos Povos Indígenas de Roraima, que contou com a participação de sindicatos, professores, artistas, etc. Foi um movimento muito lindo, importante e, no meu entender, tem que partir de novo desta mesma realidade. Quer dizer: a sociedade civil se juntando e ajudando os índios brasileiros, não apenas de Roraima, a sobreviver física e culturalmente.
Foto: Aula magna do curso de Licenciatura Intercultural do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, no auditório Alexandre Borges (UFRR), janeiro de 2019. (Pablo Felippe/Coordcom).
Amazoner Arawak - Esta memória é muito importante. Os atores, os protagonistas, a igreja, indigenistas, etnólogos, antropólogos, a sociedade civil, cientistas, artistas. Este momento foi muito importante e hoje também é!
É importante termos esta reconfiguração com aglutinação, estas sinergias frente a estas situações políticas, sobretudo, neste momento sinistro da política brasileira. Eu gostaria que você falasse um pouco mais da importância desta organização, destes atores para estruturar situações de formação de consciência e trazer isso para o cenário nacional?
LE – Eu acho que tem partir de novo para isso: uma maior união, troca de informações, eventos organizados juntos, para apoiar os povos indígenas. Me parece que a situação hoje em dia não é muito diferente daquilo que aconteceu nos anos 70, com os militares.
As mesmas palavras, os mesmo estereótipos, as mesmas propostas desrespeitosas da natureza, dos povos indígenas, do ser humano. Tem que sair de novo para uma coalizão, juntar forças, se esforçar, trabalhar juntos e, especialmente, também trocar informações, ideias, planejar atividades juntos, que possam contribuir para a sobrevivência dos índios não apenas roraimenses, infelizmente agora dos índios brasileiros.
Éder Rodrigues – Estas comparações são ricas para as novas gerações. Eu gostaria de ouvir você sobre seu trabalho de tradução do material publicado em italiano das narrativas de Gabriel Viriato Raposo, do povo Macuxi.
Este povo que foi frontalmente atacado e está sendo ainda hoje, mas sofreu com processos de expropriação de terras, por conta justamente destes encontros com a cultura não-indígena, sobretudo a partir dos anos 60. Lamentavelmente, após isso, as elites criaram a ideia e o falso discurso na mídia que haveria “muita terra para pouco índio”, sobretudo, acirrado neste caso recente da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Quais são suas memórias daquele cenário, naquele momento do seu encontro com a literatura do Gabriel Raposo, da cosmologia que ele apresentava e o papel da Igreja?
LE – Temos que partir de uma pequena constatação: “muita terra para pouco fazendeiro” e aí podemos continuar o assunto! Eu li este livro, Ritorno a lla maloca (que quer dizer mais ou menos ‘volta, ou ‘regresso à maloca’), na Itália antes de vir para o Brasil e, como já falei, foi uma leitura imprescindível, que determinou a escolha de vir a Roraima.
Neste livro tema história dos Macuxi, a mitologia, a cultura material, o depoimento lírico, muito sofrido, do próprio Gabriel. Eu acho que seja um trabalho fundamental e, no meu entender, deve ser trazido de volta para o português para que os Macuxi tenham acesso. Enquanto colaborava, em uma determinada época, com o Arquivo Indigenista da Diocese de Roraima, eu produzi uma apostila. Isso foi ainda em 1985.
Produzi uma apostila traduzindo de volta para o português as páginas que, no meu entender, são as mais significativas. Mas acho que deve ser traduzido o livro todo, porque a leitura, o estudo deste livro, vai provar [ainda mais] a ocupação territorial dos Macuxi no lavrado, nas serras, como eles desfrutavam deste território, qual a mitologia que sustenta sua filosofia. É um trabalho, no meu entender, fundamental e deveria ser traduzido o quanto antes. Vai ajudar na própria tomada de consciência. Vai fortalecer o movimento indígena aqui em Roraima.
Foto: Lançamento do livro 'Yanomami para brasileiro ver', no instituto de Antropologia da UFRR, janeiro de 2019 (Foto: Pablo Felippe/Coordcom).
Éder Rodrigues – Vamos falar de educação indígena. A primeira pergunta que preparamos para este bloco é: que realidades ou desafios você encontrou no Brasil, no que se refere ao modelo de educação indígena daquela década específica? Você chega ao Brasil e se depara com uma realidade social desafiadora na saúde, na vida diária dos indígenas, com violências, mas paralelo a isso, tem-se o processo educacional. Quais são suas memórias?
LE – Nos anos 85 e 86 eu tive oportunidade de viver entre Brasília (DF), São Paulo (SP), Cuiabá (MT) e acompanhei a reflexão que estava sendo feita em cima da educação que na época ainda era educação “para” o índio.
A reflexão que tive a oportunidade de fazer junto com professores universitários, pesquisadores, organizações indígenas do Brasil era transformar esta educação “para” o índio em “educação escolar indígena”. E tive a sorte de participar de muitos eventos, muitas ocasiões em que este tema era tratado.
A um certo ponto, devido também a organização de cursos de formação para professores indígenas, esta nova visão da educação foi se afirmando, se fortalecendo e os próprios documentos que eram produzidos pelo professores indígenas ajudaram na elaboração da Constituinte [Constituição Federal de 1988], e ajudaram na elaboração da LDB[4] – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, que estava tramitando. Claro, com a ajuda dos ditos indigenistas aliados, mas foi a reflexão indígena que se tornou lei, graças a esta colaboração.
A elaboração de textosda Constituição, por exemplo, resultou da reflexão dos próprios índios; não foi alguma coisa que alguém doou para eles, não. Foram eles que participaram ativa e criativamente deste processo.
Até que a um certo ponto vimos que a educação “para” índio tinha se transformado em “educação escolar indígena”, administrada, gerenciada, pensada pelos próprios índios.
Maria Edna de Brito – Eu queria focar mais na missão Catrimâni, que eu conheço. Lá teve este processo com os Yanomami, como ‘Povo da Floresta’, com os quais ninguém pensava em fazer educação, nem alfabetização, nem nada. Como que você pensou isso e administrou este processo inicial, com a elaboração do dicionário, do seu próprio aprendizado da língua, e se era isso que os Yanomami queriam? Ou seja, era isso que eles necessitavam naquele momento? Ou foi um trabalho que foi acontecendo de acordo com o que os outros povos indígenas do Brasil solicitaram?
LE – Tudo foi pensado e decidido em nível de equipe. Não foi apenas eu que tive esta ideia. Foi a equipe que atuava na época na Missão Catrimâni que resolveu utilizar também a alfabetização de adultos, mas como forma de conscientização.
Não era apenas ensinar a ler e a escrever. Não era esta finalidade. A finalidade era que, também pela escrita e também pela escola, pudéssemos ajudá-los a entender aquilo que estava ocorrendo em volta deles.
Inclusive uma experiência muito linda que ocorreu paralela à experiência de alfabetização foi a projeção de slides que retratavam povos indígenas diferentes e a situação destes povos indígenas. Foi um processo muito lindo, muito interessante; as pessoas que podiam participar destes encontros depois repassavam para os outros, para os grupos que ficavam longe e que nós, como equipe, não podíamos alcançar.
Houve também outras experiências interessantes, como por exemplo, quando convidamos índios Yekuana. Os Yanomami estavam começando a utilizar a navegação em grandes rios, mas a canoa tradicional deles era simplesmente de casca de árvores, muito precária; então convidamos os Mayongong para ensinar a fazer ubás[5].
Era mais uma forma de ajudá-los a conhecer outros povos, conhecer outras técnicas, outros pensamentos e perceber que não estavam sozinhos, que muitos povos indígenas estavam fazendo alguma coisa em algum lugar. Acho que isso ajudou a perceber que a luta é indígena mesmo, é brasileira, não é apenas de um povo.
Amazoner Arawak - Loretta, você me remeteu nesta questão da educação, bem no início de todo este processo, como você bem citou a instrumentalização para a decodificação, para a contribuição também na Constituição de 88 para poder ter pleiteado dentro da Lei, o direito diferenciado e atender estas demandas específicas de cada povo.
Hoje passado este primeiro momento que nós podemos chamar de insulamento, bem necessário sim, evidente, os índios estão agora fazendo mestrado, doutorado, pós-doutorado. E eu faço uma pergunta na condição de professor: tudo isso foi pensado no momento do encontro, do contato do conhecimento e da ciência indígena com a academia. Como se promove este encontro?
Porque eu lembro das professoras que pensaram o [Instituto] Insikiran nesta perspectiva na qual o índio não só aprendesse a ler, decodificar seu mundo, mas também pudesse dar um contribuição do contato do seu mundo, do seu universo, da sua cosmovisão, de todo o seu conhecimento, junto também com o conhecimento acadêmico.
Me parece que este contato em plenitude efetivado ainda não ocorre. Eu estou falando destes diferentes saberes de equilíbrio,como qual as inserções necessariamente ainda são assimétricas. Isso seria um momento também muito importante desse contato. Eu vou chamar de “contato” de conhecimentos, “contato” de saberes, “contato” de ciências.
Quando nós recebemos o Paulo Santilli[6], eu comentava como ele, brincando, dizendo que nós antropólogos não conseguimos arranhar nem um pouquinho da realidade do conhecimento indígena, porque para isso necessita-se de toda uma vivência, de aprender a língua, de morar, de estar no seu dia a dia, para tentar compreender a lógica das questões culturais, como fala Clifford Geertz[7]. Eu sempre tento inserir neste processo todo, destas literaturas, a memória, o conhecimento indígena, a partir destas praxeologias de cultura, de conhecimento, junto com a academia.
LE – Eu acho que o comprometimento da academia e a valorização do universo indígena começaram mesmo nos anos 70, quando linguistas, antropólogos, pedagogos foram trabalhar entre os indígenas de vários povos, de várias etnias, de várias regiões brasileiras. Vem de lá esta valorização. Agora é claro que, com o tempo, tudo cresceu, amadureceu e chegamos na época em que os próprios indígenas vão estudar na universidade.
É um processo, é um caminho, mas a coisa não começa assim tão de recente, vem de longe. O importante é não esquecer destes estudos, destas pesquisas todas que já foram feitas na época.Tem que partir delas, aprofundar, atualizar e especialmente tem que fazer com que sejam os próprios índios a produzirem, eles mesmos, seus conceitos, seus materiais, suas propostas. A academia pode muito ajudar, valorizando mais a própria produção indígena, os próprios estudantes indígenas. Todas as pesquisas que foram feitas (e tem muitas coisas), muitas pessoas se esqueceram delas ou não sabem mesmo. Já tem um patrimônio cultural imenso aí a disposição.
Éder Rodrigues – Nesta perspectiva ‘Freiriana’ [aplicação do método Paulo Freire] que nos ensina a ir além de alfabetizar, mas de conscientizar a partir da palavra, do contexto, no qual a pessoa vai despertando para a leitura e, considerando a questão pontual do seu trabalho entre os Yanomami, quais são as suas memórias da tomada de consciência deles? Qual foi o momento em que você percebeu que este processo seria importante não apenas para a escrita, mas para o futuro, por exemplo, na reafirmação da importância do território, da garantia de direitos e na manutenção da vida, cujos impactos podem ser percebidos nos artigos 231 e 232 da Constituição Brasileira?
LE – Bom, na minha cabeça estava muito claro, muito definido. Agora, foi um prazer constatar quando os indígenas perceberam isso, foi muito gratificante. Por exemplo, me lembro de dois episódios. O Atriyãno que se alfabetizou comigo, durante uma das primeiras aulas, percebeu a ligação que tem entre som e símbolo gráfico. Aquele momento foi uma emoção incrível, para mim também. No material que usávamos, que criamos juntos, utilizávamos termos muito significativos da cultura Yanomami. Este ensinamento é do próprio Paulo Freire: palavras, frases representativas do universo cultural do alfabetizando. Esse momento foi incrível. Nunca posso esquecer disso.
Outro momento muito interessante foi em setembro passado, quando eu encontrei o Davi Kopenawa Yanomami em Milão [Itália], na ocasião em que ele estava apresentando seu livro A queda do céu[8], que foi traduzido para o italiano também. Ele falou para mim que as primeiras experiências de alfabetização de adultos, que eu desenvolvi na maloca dele no Demini, ajudaram a comunidade a entender a importância de ler e escrever, aprender o português, porque era instrumento para se organizar e defender. Estes dois momentos foram determinantes para perceber que era realmente importante o registro, a escrita, para se chegar à organização, mudanças, leis e tudo mais.
Éder Rodrigues – Vivemos em um cenário de muita competição no mundo contemporâneo e essa visão coletiva, generosa e solidária percebida na cultura indígena parece não combinar com esta competição da dita “moderna” sociedade, a qual estamos e somos submetidos.
Quando levamos em conta que este processo de aprender a jogar o jogo da língua portuguesa para o indígena e tentar reafirmar uma coisa que era para o estado brasileiro já reconhecer de forma muito natural (e sempre falta capacidade e interesse do próprio estado), torna-se muito rico ouvir essa sensibilidade da construção desta educação diferenciada que você fala.
O Davi [Kopenawa] é sim uma das referências na dimensão da cosmopolítica ameríndia e da filosofia reversa que ele projeta no livro [A queda do céu]. Neste sentido, qual está sendo a contribuição pedagógica destes outros grupos que estão surgindo dentro da academia, com trabalhos de graduação e pós-graduação, sejam representantes dos povos asiáticos, ameríndios ou africanos com seus saberes, que podem ser complementares, ou seja, nem melhores ou piores que a dita “ciência válida”, mas possuidoras de outras epistemologias e com outros saberes? Como você vê esta possível complementaridade?
LE – Eu acho que qualquer coisa seja produzida por qualquer um sobre cultura indígena é importante. Agora, que sejam os próprios indígenas a fazerem isso, é fundamental. Estudantes e pesquisadores indígenas devem ser ajudados e valorizados nisso. Um movimento que no meu entender é incrível é aquele dos escritores indígenas brasileiros, que acompanho de perto. Entre eles, há um escritor muito ativo, inclusive é um menino daqui da terra, é o Cristino Wapichana[9].
Este movimento dos escritores indígenas é fantástico porque no meu entender eles estão dando cursos para professores brancos, em escolas de brancos, viajando pelo mundo a fora, produzindo trabalhos lindérrimos. Eles estão contribuindo para a definição da identidade brasileira. Devem ser seguidos também, estudados e apoiados. São eles que estão ajudando na definição daquilo que é o pensamento indígena,quer dizer uma outra maneira de encarar o mundo.
Amazoner Arawak – Gostaria de fazer um adendo para este bloco. A língua é uma ponte, com a qual você atravessa e acessa outros mundos, outras ideias, outras situações, outros significados, outras traduções. É um universo imenso.
Como foi este encanto da dialética, quando você aprendeu Yanomami e percebeu que o Yanomami aprendeu o português? E encaminhando para o próximo passo, que é falarmos sobre suas obras literárias, sobre uma Mulher entre três culturas, como é que foi este momento de descoberta da língua Yanomami e como foi perceber os Yanomami aprendendo português e escrevendo como instrumento político?
LE – Agora quero esclarecer que a alfabetização aconteceu na língua materna porque, inclusive, é aquilo que os especialistas sugerem. No começo eu demorei muito em falar alguma coisa em Yanomami. Eu escutava muito para aprender algumas coisas em Yanomami, porque eles são brincalhões e tinha vergonha de errar e eles ficarem zombando de mim (risos).
Por isso demorei muito a aprender a falar alguma coisa em Yanomami. Agora a pesquisa linguística, que eu desenvolvi entre eles, ajudou a entenderem que eles têm uma língua, não é uma gíria não, como os brasileiros falam, como a população envolvente fala.
A dos índios não é gíria não. É língua. No caso dos Yanomami é uma família linguística com quatro subgrupos. É um universo. Isso ajudou muito eles a entenderem que não são inferiores a ninguém. Simplesmente a língua, a cultura, a mitologia, a religião são diferentes. A pesquisa contribuiu para afirmação étnica deles.
Éder Rodrigues – Você falou sobre os quatro subgrupos linguísticos. E seu trabalho é sobre um deles. Qual?
LE - Tem muito trabalho já produzido sobre as línguas Yanomami, inclusive o trabalho pioneiro mesmo foi de um outro italiano, o linguista Ernesto Migliazza[10]. Ele produziu o primeiro, e continua válido até nosso dias; uma referência importantíssima, oprimeiro estudo sobre a família linguística Yanomami. Soube que ele visitou alguns anos atrás a própria universidade [UFRR]. Tem muito material produzido sobre todas as línguas. Eu estudei apenas o dialeto de uma destas línguas, que é o wakathautheri, quer dizer o dialeto dos índios do Catrimâni, onde eu atuava.
Éder Rodrigues – Que publicações você destacaria como tendo maior impacto ou relevância na vida do povo Yanomami?
LE – Bom, isso eu precisaria verificar. Não sei. Agora em nível pessoal posso dizer que produzi o Dicionário Yanomamè-Português, produzi a Gramática pedagógica da língua yãnomamè, um abecedário ou cartilha Yanomami, e produzi um livro de leituras. Acho que é um material importante.
Tem uma história muito bonita sobre o dicionário: foram impressos 800 exemplares na época; todas as entidades que na época trabalhavam com os Yanomami adquiriram exemplares para ajudar o pessoal que ia trabalhar com os Yanomami a enfrentar a situação com um pouco mais de preparo e atenção.
Em julho de 2014, eu realizei uma versão em PDF e divulguei por meio de uma associação de apoio aos Yanomami no Amazonas. Divulguei esta versão em PDF e parece que passou despercebida, ninguém falou nada. Em julho de 2017, esta versão foi baixada em poucos dias, em uma semana, por 2.310 pessoas. Foi como se o dicionário voltasse a viver! Foi a prova que evidentemente é útil, está sendo utilizado, está sendo consultado. Agora sobre o retorno, precisaríamos perguntar para os próprios Yanomami.
Maria Edna de Brito – Quando eu cheguei no Catrimâni em 1989, tinha-se bastante ênfase sobre os Yanomami que se expressavam por meio de desenhos. Sempre foram feitos desenhos, estavam sendo publicados. Parou, mas acho que vai continuar. Eles têm muito material em que se expressavam pelos desenhos. Eles conseguiam dizer sobre como eles viviam, o que eles faziam, o que eles acreditavam por mitologia.
LE - Acho fundamental isso.Como a maioria não era alfabetizada, eles puderam se expressar igualmente pelos desenhos. E aqui entra a arte. Desenho é arte. A arte também seria um instrumento incrível para conscientizá-los, ajudá-los a se expressar e para nós chegarmos a conhecer a mentalidade, a filosofia deles.
A arte, portanto, é fundamental neste processo de tomada de consciência por parte dos Yanomami. Eu acho que este projeto deve ser retomado, reforçado, levado para frente com muita força, inclusive, seus desenhos são lindérrimos, no meu entender, e são os desenhos que falam sobre tudo isso: ciência, cultura, religião e anseios.
Maria Edna de Brito – Na capa do seu livro, do dicionário, tem um desenho.
LE – A capa do meu dicionário é um desenho feito pelo Atriyãno, que era o meu colaborador e informante. Representa os tapiris que eles constroem quando viajam pelo mato.
Amazoner Arawak – Quero aproveitar este assunto e dizer que um dos desenhos mais poderosos que eu vi e que permeou sempre o meu imaginário foi esta capa do dicionário. A senhora falou sobre arte, cultura e educação que são instrumentos poderosos em vários níveis: políticos, sociais e culturais. Gostaria de perguntar, a senhora escolheu estes instrumentos para poder dar visibilidade não só para questões indígenas, mas para a discussão intelectual, científica e artística?
Pela poesia, pela literatura, pela arte, pelo seu trabalho que a senhora construiu e escolheu, em quais momentos estes livros foram sendo pensados, produzidos e criados, em quais contextos para atingir quais públicos?
Geralmente cientistas e pesquisadores produzem trabalhos científicos, mas esta outra abordagem, a artística, com sensibilidade, geralmente é um campo bem direcionado. A senhora escolheu vários campos que tem um alcance muito grande e o conjunto da obra é magnífico!
É importante que as pessoas produzam cada vez mais sobre as questões indígenas, mas também e muito importante neste momento que eles [indígenas] sejam os protagonistas e façam este caminho inverso. Por exemplo, o Cristino Wapichana [escritor indígena] foi premiado no Brasil, na Europa; o Davi [Kopenawa] esta aí com seu livro em várias línguas, fazendo um caminho inverso, retornando para a sociedade nacional, para os países, para os pesquisadores. Eu gostaria que a senhora abordasse esta questão.
LE – Eu pessoalmente acho que a poesia é muito mais poderosa do que qualquer papo político (risos). Eu acredito que seja assim e naturalmente falo da arte em geral. Agora têm até cineastas Yanomami no Amazonas, eles estão fazendo suas imagens. Temos que partir agora para valorização das artes também produzidas por eles mesmos. O livro de poemas que eu escrevi, Mulher entre três culturas, foi um pouco mais para vencer, sair do isolamento que eu estava vivendo. Porque imagina: estrangeira, mulher, sozinha, trabalhando com índios, na época era barra bem pesada. Sofri muita discriminação na pele. O livro de poemas foi uma maneira de eu falar, de me manifestar, de me expressar; porque a solidão era muito grande, maior que a floresta amazônica.
Éder Rodrigues - Sobre o livro etno-fotográfico [Yanomami pra brasileiro ver], gostaria que você falasse sobre ele, uma vez que você lembrou muito bem que, ainda na Itália, você se deparou com as fotos do [Carlo] Zacquini que já registra de longa data os povos indígenas, sobretudo os Yanomami. E você também traz esse componente em seus livros com o uso da fotografia, com impacto visual e semiótico rico. Aliás, fotografias que até então não eram praticadas entre eles. Gostaria de ouvir especificamente sobre a importância do livro e do processo.
LE –O livro Yanomami para brasileiro ver é um trabalho etno-fotográfico. Pequenos textos introduzem à vida e cultura dos Yanomami, e as fotos eu mesma bati. O trabalho é especialmente dirigido aos estudantes. A finalidade é que estudantes brasileiros conheçam o povo Yanomami. Os textos são bem simples, mas contem muitas informações sobre caça, pesca, comida, biologia, ciências várias, são muitas informações.
As fotografias retratam simplesmente seres humanos. Eu vi seres humanos, eu bati fotos de seres humanos lindos, enfeitados. Acho que já nisso está contida uma mensagem. Os índios não são preguiçosos, não são sujos, não fedem. Os índios são seres humanos lindérrimos. E que também tem gostos em se pintar, se mostrar. Acho que é essa a mensagem que tentei passar. Houve pouca divulgação, foram impressos apenas 500 exemplares, mas a expectativa era passar informações positivas e valores sobre os Yanomami, dirigidos à sociedade envolvente.
Éder Rodrigues – Neste bloco, vamos tratar de perguntas pontuais sobre o cenário atual. De que forma os indígenas em sua perspectiva histórica podem ampliar suas redes de luta pela garantia dos direitos e conquistarem maior apoio popular. Que arranjos podem ser pensados coletivamente nesta compreensão mínima da importância da pluralidade e da diversidade?
LE – Bom, os índios hoje em dia podem até contar com uma deputada federal [Joênia Wapichana, Rede Sustentabilidade – RR]. Acho que os sensíveis à causa indígena devem ajudá-la, ficar do seu lado, Apoiá-la. O importante é que haja colaboração. A questão indígena, pelo menos nos anos em que morei aqui, sempre foi transversal. Quer dizer que não era ligada a um partido.
Tinha muitos apoiadores nos vários partidos, então acho que temos que continuar a pensar a questão indígena neste sentido: todo mundo que tem preocupação com o ser humano, com os direitos do ser humano, das populações indígenas, qualquer que seja a entidade que representa ou partido, essas pessoas devem apoiar a questão indígena. O esforço agora é juntar de novo este mundo de aliados e de colaboradores epensar nas mais variadas atividades; qualquer coisa pode servir para isso: debates, mostras, mesas redondas, qualquer coisa.
Maria Edna de Brito – Eu destacaria a importância dos assessores dos grupos que trabalham com os indígenas, especialmente no caso dos Yanomami, para o aprendizado da língua deles, sejam eles atuantes na saúde ou na educação. Como você vê esta importância hoje do aprendizado da língua própria onde se trabalha hoje?
LE – No meu entender é fundamental aprender a língua Yanomami, porque com a língua vem justamente toda a filosofia Yanomami. Quem se aproxima dos Yanomami, eu não digo que deve falar fluentemente o Yanomami, mas deve fazer um esforço de se aproximar da língua porque a língua já abrange todos os valores e os conteúdos que os Yanomami estão propondo até para nós.
Amazoner Arawak – Esse momento tem toda uma configuração e vai de encontro com o nosso ativismo, a nossamilitância o nosso pensamento da questão da solidariedade. Você falou sobre a humanidade e fez esse chamamento a todos nós para nos unirmos e ampliarmos toda uma situação que converge para que possamos pensar e ativar mecanismos e instrumentos legais para vias de comunicação, informação e política com o Governo vigente.
Eu fico imaginando uma situação desta, na qual, a sociedade civil organizada,precisa pensar de que maneira podemos ampliar (por várias vias: pela ciência, academia, debates, reuniões, poesia, artes plásticas, literatura, vídeos documentários, jornais, imprensa) esse chamamento.
É importante, porque nós precisamos envolver a sociedade e também a sociedadeindígena. E você fez um colocação muito pertinente que é essa inserção, este apoio dos protagonistas, dos agentes políticos, como agora nós temos a nossa deputada federal, Joênia Wapichana. É fundamental esta representação, esta participação dentro do sistema para que a gente possa ampliar.
Nós temos feito um trabalho com esta questão política entre os professores, estudantes, para conscientização maior desta necessidade dos índios terem uma participação mais ativa e uma representação política dentro do cenário do estado. Este é o seu apontamento. Seu chamamento para essa conjuntura atual em que se apresenta o estado brasileiro. É desta maneira que podemos nos organizar, pensar outras perspectivas de poder para combater toda esta política atual que tenta se instaurar, legitimar e se efetivar no cenário nacional?
LE – Concordo com isso tudo. Como já falei, qualquer atividade, qualquer proposta serve. Os indígenas brasileiros devem ser tornar atores e todos os outros apoiando eles. Isso inclusive dentro da Universidade. Quem sabe precisa abrir mais espaço para eles, até dentro da Universidade Federal de Roraima.
Éder Rodrigues – Professora Loretta, nós agradecemos pela entrevista. Eu sei que entrevistas assim são exaustivas, mas são muito importantes para nós. Tinham outras perguntas, temas polêmicos, afinal estamos falando de um futuro obscuro, no qual faltam expectativas de políticas públicas no cenário atual do País que atendam esta população. Já estamos ouvindo na mídia discursos de autoridades que falam de retrocessos de direitos e de casos de violência.
Quer dizer, este tipo de pensamento surge em momentos muito delicado de insegurança que exigem maior debate. Estamos falando da vida dos povos indígenas, de gente que pode ser assassinada no campo como vem acontecendo na história do Brasil, um país que lidera estes índices de mortes. A Comissão Pastoral da Terra[11] tem publicado relatórios de assassinatos no campo no Brasil e, portanto, é um cenário que exige maior organização.
Bom, agradecemos mais uma vez a sua disposição na concessão da entrevista para que a utilizemos nos canais da universidade, no site institucional, em livros e audiovisual. Para finalizar, eu gostaria de saber se tem alguma pergunta que deveria ter sido foi feita ou se há alguma questão a ser levantada que seria importante para nossa conversa?
LE – Não. Eu só quero agradecer pela oportunidade que me foi oferecida de falar destes assuntos, e queria agradecer também as pessoas que participaram deste encontro: a Edna Maria de Brito e Amazoner Arawak.
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[1] Ritorno a lla Maloca: autobiografia di um índio makuxi. Seconda edizione. Italia: Editrici Missionarie Italiane, 1973. Partes da obra traduzidas para a língua portuguesa por Loretta Emiri estão disponíveis em https://lorettaemiriegliyanomami.files.wordpress.com/2017/09/gabriel-viriato-raposo-macuxi.pdf
[2] Bispo católico italiano, emérito da Diocese de Roraima, da qual foi bispo de 1975 a 1996. É autor do livro “Roraima Entre Profecia e Martírio” e atualmente é o bispo mais idoso do Brasil, nascido em novembro de 1919. [Notas do editor].
[3] Disponível em: https://lorettaemiriegliyanomami.files.wordpress.com/2017/02/nc3a3o-estragados.pdf
[4] LDB 9394/96 - Legislação que regulamenta o sistema educacional (público ou privado) do Brasil da educação básica ao ensino superior). [Nota do editor]
[5] Árvore usada para fazer canoa.
[6] Professor Dr. em Antropologia Social, Livre Docente pela Universidade Estadual Paulista e autor de livros como: PemongonPatá: território Macuxi: rotas de conflito (Editora UNESP, 2001 ) e As fronteiras da república: história e política entre os Macuxi no Vale do Rio Branco (Editora Fapesp, 1994).
[7] Clifford James Geertz foi um antropólogo americano, professor emérito da Universidade de Princeton, em Nova Jérsei (EUA). Algumas de suas conhecidas obras estudadas nas Ciências Humanas são A interpretação das Culturas e Saber Local: novos ensaios sobre Antropologia Interpretativa [N.E.]
[8] Editora: Companhia das letras, 2015.
[9] Para mais informações, ver vídeo no canal de Daniel Munduruku intitulado “Cristino Wapichana fala sobre seu povo, a política indigenista e Literatura Indígena”, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Bqqw774Vdu8
[10] Disponível em http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biota%3Avol2p153-173/biota_vol2p153-173.pdf.
[11] Disponível em http://cptnacional.org.br/mnc/index.php. A CPT mantem atualizados dados desde 1985 até os dias atuais, sendo que neste período foram registrados 47 massacres no campo que vitimaram 223 pessoas em dez estados brasileiros.
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